terça-feira, 29 de janeiro de 2013

De que rostos é feito o Mundo


Quando escrevo sobre a India, há sempre uma emoção forte aliada e quase que os meus dedos tremem sobre o teclado, porque me faltam sempre adjectivos para qualificar o meu sentimento. É o meu País favorito. É o País de que mais gosto. É, para mim, o País mais fascinante dos trinta e tal que conheço. Sei lá. É viciante. Tenho sempre vontade de lá voltar.
 E detesto aquela miséria, aquela confusão de gente que há por todos os lados, aquela falta de privacidade, do barulho e do caos. Não gosto, como qualquer outro ser humano, chocar com mendigos pobres e leprosos cujos olhos quase que perfuram os nossos de tão intenso que é o seu mendigar. Não gosto, porque dói, porque não tenho culpa de que existam e de repente parece que me sinto responsável, porque estou aqui alegremente a passear, mesmo que seja à "pé rapado", como se costuma dizer, de mochila às costas, mas não me falta o pão e lá em casa tenho o conforto de um lar, e agora estou eu aqui a passar neste passeio, mesmo que seja de chinelo enfiado no pé e aqui ao meu lado, uma fila constituida por mendigos sujos, envoltos em trapos, de olhares famintos estendem-me as mãos e depois unem os dedos magros e encostam-nos aos lábios. Alguns são deficientes. Alguns são muito velhos, ou talvez a miséria os faça parecer mais velhos. Alguns são crianças pequenas. E eu passo diante deles com os ombros carregados do peso da responsabilidade que absurdamente sinto e nada posso fazer!
Não é suposto incentivarmos a mendicidade e alem do mais muitas vezes é uma concentração tão grande de pedintes que se resolvermos ajudar um, todos os outros irão naturalmente exigir tambem a sua parte. E então como nada posso fazer, continuo o meu caminho, e tal como os outros  priviligiados como eu, desvio o olhar, e no meu caso,  impotente e frustrada.
Não gosto das ruas sujas, e o esgoto a céu aberto. Adoro as vacas, e aprecio o facto de não serem mortas, mas não gosto de estar constatemente a pisar as fezes que vão deixando ao longo do dia por todos os lados, sem qualquer pudor. Mas o problema é meu, elas afinal estão no País delas.
A Indía é o meu País favorito.
Adoro as côres dos saris e as jóias que adornam os pescoços, pés, narizes e orelhas da mulheres; adoro o cheiro a incenso; o cheiro a especiarias e a caril; adoro a musica e as danças, até mesmo aquelas dos filmes de Bolywood, que me delicio a ver à noite na televisão do quarto do hostel; adoro os monumentos e Palácios, ricos e ostensivos; adoro os templos hindus, sikhs, budistas, jainistas...; fascinam-me as imagens dos deuses hindus, desde a perversidade da deusa Kali ao ar ingénuo do deus Ganesh; adoro a comida indiana, desde a masala dosa ao sag paneer; adoro a espiritualidade da India...





Em Shimla, no Norte da India





Em Jaipur, hora do descanso



Comboio a caminho de Shimla

Temos tambem o Nepal.  E aqui o meu coração tambem vacila, porque o Nepal tembem é o meu País favorito. Mas é natural. É logo ali ao lado, e não é assim tão diferente. Bom, talvez haja mais tranquilidade e sossego, sobretudo fora de Kathmandu. A miséria tambem não é tão visivel e chocante como na India. O sistema das castas não está tão enraizado no Nepal como na India, e acaba por tornar os Nepaleses mais tolerantes e mais abertos. Tambem não existe tanto a ideia das familias numerosas como na India. No Nepal, os casais têm normalmente dois filhos, pelo que falamos de uma população muito menos numerosa do que na India.
Em Tansen, uma vila aninhada nas montanhas, a Sul de Kathmandu, conhecemos uma viajante inglesa, daquelas com um ar de hippie moderna, que tinha acabado de chegar ali na mesma camioneta que nós, de Varanasi, e depois de uma viagem de vários meses pela India, e quando lhe perguntamos se estava a gostar de Tansen, respondeu: " Se estou a gostar? Viajei durante seis meses pela India e de repente resolvi vir até ao Nepal.Se eu soubesse que isto era assim, já tinha vindo há mais tempo!"
E quando disse "isto" olhou em volta. O "isto" significava a tranquilidade daquele lugar simples, de ar fresco, bafejado pela proximidade das montanhas, de casinhas com varandas em ferro forjado, de ruas estreitas e empedradas, por onde passavam agricultores a regressar da faina, mulheres com cestos nas cabeças, grupos de crianças metidas em uniformes escolares, sorridentes a gritar "Namaste", que nos olhavam com curiosidade mas sem pretensões de interferir no nosso espaço.
Eu própria, quando descia e subia as ruas de Tansen, e se desse conta de alquem a caminhar logo atrás de mim, pensava logo: " pronto, o que me vão vender agora? Que esquema maluco vão propôr-me agora?"
Mas não, ninguem nos queria vender nada, nem propor nada. Quando muito, cumprimentavam-nos sorridentes  ou olhavam-nos com curiosidade e por vezes nem isso. Não havia homens a perseguir-nos durante minutos a fio, num verdadeiro massacre, a querer vender-nos viagens de rickshaws, calças de ganga, óculos de Sol, passeios pela cidade, postais, pulseiras, droga...e até as próprias mães se preciso fôsse, ehehehe, como acontece em Varanasi.


Numa aldeia, nos arredores da vila de Tansen, no Nepal





Agricultores numa aldeia no Santuário de Annapurna, nos Himalaias





Nos Himalaias  Nepaleses



Em Pokhara, num templo situado numa pequena ilha no meio do lago



Monges Budistas no Templo Bodnath em Kathmandu


De que rostos é feito o mundo - Continuação



Enquanto nós visitamos os lugares com os olhos e a curiosidade de um viajante normal, querendo apreciar do ponto de vista estético ou cultural, há ao nosso lado muita gente que está ali por razões  de fé , religiosas, espirituais. O seu olhar é diferente do nosso. As suas motivações tambem não se equiparam às nossas. Por isso, é que encontro no seus olhares uma emoção sempre muito mais poderosa e autêntica do que a que nós temos. Não que não nos possamos emocionar tambem com o que vemos...muitas vezes já me aconteceu até ficar com lágrimas nos olhos devido à beleza de um lugar ou à espriritualidade que dele emana, mas na verdade nunca será como a dos que estão ali por fé ou devoção.
O que sentimos nós viajantes  comparativamente com eles é quase leviano. Hoje estou em extase a apreciar um templo, mas no dia seguinte, esse templo é substituído por um belo Vale rodeado de montanhas que me faz esquecer o extase do lugar anterior que visitei.
As pessoas que estão num lugar por devoção, estão ali por isso, pela devoção, pela Fé. Mesmo que a seguir visitem outro lugar de culto, não será relevante se é mais bonito, mais antigo, mais rico...porque é a Fé que os move e não propriamente o lugar.

Na Grécia, em Meteora, uns conventos antigos esculpidos em cima de penhascos vertiginosos foram o motivo para viajarmos até lá.
Estes peregrinos terão ido à procura de algo mais...


Um dos Conventos em Meteora, Grécia



 Em Gyrokastra, na Albânia. O olhar de quem fotografa e o olhar de quem é fotografado.






Na cidadela ainda habitada do castelo Medieval de Berat, na Albânia, a nossa viagem cruzou-se com a viagem deste casal, a viagem de uma vida.







O taxi é um dos meios de transporte que mais usamos nas viagens. Quem ler isto, há-de pensar que é um luxo, tendo em conta que defendemos as viagens económicas, mas na realidade em alguns Países andar de taxi é muito barato, e bem, às vezes tambem náo há grandes alternativas. Já apanhámos Motoristas  ansiosos e nervosos na condução a quem pedíamos "calma"; apanhámos aqueles que nos queriam enganar, querendo-nos deixar num hotel diferente do que tínhamos pedido ou até mesmo mentindo, dizendo que o hotel para onde queríamos que nos levasse tinha ardido. Nestes casos, há que fazer finca pé!
Apanhámos um motorista espectacular em Beirut, no Líbano que passou horas connosco à noite pelas ruas da cidade à procura de um hostal económico, mas só nos apareciam hoteis caros...o pobre do Motorista estava com tanta pena nossa que até nos convidou para dormirmos em sua casa.
Apanhámos tambem o Xerife, o Albanês que nos levou até à fronteira da Macedónia e que pousa em baixo para a foto!

O Xerife a deixar-nos entregues à nossa sorte na fronteira entre a Albânia e Macedónia.



Musica defronte do castelo de Ohrid, na Macedónia.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

De que rostos é feito o mundo - Parte II


O Amir passou alguns momentos connosco junto às Pirâmides, no Egipto.. Embora aceite que estes homens tenham que ganhar a vida nem que seja a passear os turistas em cima de camelos junto a um dos monumentos mais conhecidos do mundo, mas normalmente não gostamos muito de alinhar neste tipo de actividades demasiado concebidas para o turismo de massas. É interessante contornar mais do que uma vez o monumento ancestral; há que  vê-lo de várias perspectivas e com diferentes ângulos de luz; subir os degraus de pedra e até sentir com as mãos a textura rugosa e quente das suas paredes; fechar os olhos por momentos  sentir a morte e a vida no mesmo prato da balança. As Pirâmides, lugar construído para os mortos, que no entanto são aqui depositados como se as suas vidas continuassem. Mas isto já sou eu a divagar...estava a falar do Amir. Dar um passeio de camelo pelas dunas que alicerçam as Pirâmides, simplesmente não fazia qualquer sentido para nós...era até quase como delegar aquele indescritivel monumento para segundo plano, e portanto às primeiras investidas do Amir, recusámos convictamente o passeio que tanto nos desagradava. Mas o Amir com o seu sorriso simpático não desarmou e de uma forma inteligente conseguiu convencer-nos, dizendo para vermos bem, pois o seu camelo chama-se Charly Brown e é nada mais nada menos que o camelo aparece na capa do Lonely Planet que eu segurava nas mãos.
E lá fômos nós com o Amir e o Charlie Brown dar um passeio pelas dunas que circundam as Pirâmides. Ficamos a saber que o Amir, rosto sem idade, é casado e vive com a mulher, os filhos e mais uns quantos familiares na mesma casa. Trabalha para proporcionar um futuro melhor aos seus filhos, para estudarem. Ele não estudou, mas aprendeu o inglês com os turistas. O Amir podia ter mais mulheres, mas ele não quer...mas se por acaso até pensasse nisso, sería uma estrangeira que não falasse árabe. " E porquê?", perguntamos. "Porque assim ela e a minha outra esposa não se entendiam e não havia intriguas nem problemas!"
Antes de nos despedirmos, o Amir lança-nos um aviso tipo daqueles "quem te avisa teu amigo é..." : "Tenham cuidado com os egipcios, eles estão sempre a tentar tirar dinheiro aos turistas, a vender coisas...quando fôr assim digam que são turcos, porque nenhum egipcio fala turco..."
"Amir, então mas tu tambem te mesteste connosco...!" exclamamos a sorrir.
E lá segue o Amir, com o pachorrento Charlie Brown, a pensar nos proximos estrangeiros a quem "tirar" dinheiro.






Será o Charlie Brown???

Ehehehe, o camelo mais famoso do Egipto!!!















Em Luxor, ainda no Egipto, enquanto aguardávamos a chegada da camioenta que nos levaría até Hurghada, tivemos direito a musica ao vivo.





É Sábado. Estamos no Cairo. Uma familia egipicia passa por nós.







Se só pudesse viajar para meia duzia de lugares no mundo, um deles sería indubitávelmente a Amazonia. A Reserva Cuyabeno em plena Amazónia equatoriana, há-de fazer para sempre parte das minhas memórias, como sendo aquele lugar no fim do mundo, onde dormi numa cabana de madeira com uma janela sem vidro, e uma portinhola até meio do corpo, em vez de porta, e sem luz e sem água quente. Esta familia que partiu connosco por três dias, juntamente com os Guias, preparava as nossas deliciosas refeições, e à luz de velas quando a escuridão avassalava por completo a floresta.
Que falta fazem os automóveis, os telemóveis, os computadores, as televisões...quando durante a noite podemos disfrutar de uma sinfonia dada pelos animais que por aqui habitam: jacarés, anacondas, insectos, etc etc ?
Há de facto experiências e momentos na vida  que são unicos...e este tão simples, o de estar deitado a ouvir unicamente os sons produzidos pelos animais e é efectivamente extraordinário. 
Os três dias que passámos na Amazónia fez-me pensar mais uma vez que por um lado o progresso nos trouxe coisas muito uteis e práticas, mas por outro nos tirou a magia do silêncio e as canções da Natureza. Por isso, há que regressar a um sitio como a Amazónia para apreciarmos a magia do silêncio e as cantigas da floresta.















quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

De que rostos é feito o mundo

As viagens são feitas de lugares, mas tambem de pessoas.  E assim, surgiu a ideia de fazermos uma pequena compilação de fotografias das gentes com quem nos cruzamos nas nossas viagens.


Mulheres do povo Naxi, em Lijiang, na China, a cerca de 80km do Tibete.

Povo Naxi nas ruas de Lijiang, China.
 


Em Baisha, perto de Lijiang, vive o Dr Ho, um médico naturalista muito conhecido na China e até no resto do mundo, que trata as pessoas à base de chás. A esposa, vestida com o traje tipico do povo Naxi, ajuda-o no consultório que tambem é a casa deles, mexendo e remexendo pós e ervas milagrosas. O consultório do Dr Ho já há muito que se tornou numa atracção turistica desta zona, tanto que o ancião médico até tem livros de visitas de vários Países, e o de Portugal tambem lá está e o nosso comentário tambem lá estará, por entre poeiras e ervas de chá.







E a tribo das mulheres dos cabelos compridos? Quase que apetecia contar uma história com este tema a uma criança antes de adormecer...
É verdade, tambem existe. Pertencem a uma das minorias étnicas da China, da tribo Yao, e vivem sobretudo no interior Sul da China, mas tambem no Norte da Tailândia. Elas naõ cortam os cabelos, que vão crescendo e crescendo até se arrastarem pelo chão.
As mulheres da fotografia estavam junto à nossa camioneta a vender pulseiras que elas mesmo fazem, mas onde ganham mais dinheiro, é a soltar os cabelos para os estrangeiros. Quem quer ver os longos cabelos até ao chão, tem que pagar...

Zona  dos arrozais de Longsheng




Continuamos pela China, em Guilin, no Sul. Junto ao rio Li, o passeio de barco faz uma breve paragem nesta ilhota com chão de pedregulhos, rodeados por enormes penhascos rochosos. Esta mulher, para alem de vender pulseiras e colares, tambem se dedica à venda de ...pedras.






O jovem barqueiro de Yangshuo, na China, mas que é Tailandês e que a mim me faz lembrar o Hucleberry Finn, companheiro de aventuras inseparável de Tom Sawyer. Será do chapéu de palha enterrado até aos olhos ou do sorriso travesso? Huckleberry Finn a correr pelas margens do Mississipi...










Um dos vicios nacionais da China é o jogo. Verdadeiros amantes não só de casinos, mas tambem de todo o género de jogos. Nos passeios é comum passarmos por homens, agachados em cima de pequenos bancos, concentradissimos diante de tabuleiros de jogos.









domingo, 6 de janeiro de 2013

Passagem de Ano em Lisboa

 
 
 

De 2012 para 2013 em Lisboa

 

Na noite da passagem de ano, gostamos sempre de ver o fogo de artificio.
 
Chamávamos de "foguetes" quando eu era criança. Na aldeia dos meus avós nunca faltava nas festas de Nossa Senhora dos Remédios por alturas de Setembro.
De manhã passava a procissão e percorria as ruas empoeiradas da aldeia; da parte da tarde atuavam  os Ranchos folclóricos e tocava a banda fardada para o efeito e entre acordes de trompetes, pandeiretas, tambores, clarinetes, fagotes e trombones, a brisa suave do vento de fim de Verão misturava-se com o odor das uvas que pendiam das videiras frondosas que enfeitavam os pátios das casinhas de pedra da aldeia.
À noite, a musica era outra. Vinha o "conjunto" e ao som de musicas populares,  e de pop, os pares rodavam alegremente, vestidos nos seus melhores fatos. Era noite de bailarico.
O dia culminava então no momento dos "foguetes". Todos ficavam em silêncio de cabeças erguidas para o firmamento, enquanto alguém, de algum monte, no meio da escuridão disparava os foguetes que voavam velozmente para o alto como  mini foguetões que depois se desfaziam em serpentinas e faíscas brilhantes de várias côres ao som de estrondos que nos faziam estremecer.
Terminava sempre com as "lágrimas". Muito gostava eu daquelas lágrimas azuis, vermelhas, douradas que eram derramadas lentamente, quase com sofrimento como lágrimas verdadeiras, e que pareciam que vinham caír em cima de nós.
 
Era um fogo de artificio muito modesto comparado com este que durante doze minutos invade a Praça de Comércio em Lisboa na passagem de ano, mas para a minha idade de criança de então era uma festa, e apesar de estremecer sempre com a explosão dos foguetes, ficava de pescoço caído para trás e com olhos de espanto a admirar as pinceladas coloridas que aquelas canas iam desenhando no céu.
 
Passagem de Ano 20112/2013 em Lisboa
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Que 2013 seja a viajar de mochila às costas!!!